As pesquisas sobre a psicogênese da língua
escrita, realizadas por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky no fim dos anos 1970 e
publicadas no Brasil em 1984, mostraram que as crianças constroem diferentes
ideias sobre a escrita, bem como resolvem problemas e elaboram conceituações. No
livro Aprender a Ler e a Escrever, Ana Teberosky e Teresa Colomer
ressaltam que as "hipóteses que as crianças desenvolvem constituem
respostas a verdadeiros problemas conceituais, semelhantes aos que os seres
humanos se colocaram ao longo da história da escrita". E completa: o desenvolvimento
"ocorre por reconstruções de conhecimentos anteriores, dando lugar a novas
construções”... "Essas hipóteses se desenvolvem quando a criança interage
com o material escrito e com leitores e escritores que dão informações e
interpretam esse material”. Ferreiro e Teberosky observaram que, na tentativa
de compreender o funcionamento da escrita, as crianças elaboram verdadeiras
"teorias" explicativas que assim se desenvolvem: a pré-silábica, a
silábica, a silábico-alfabética e a alfabética. São as chamadas hipóteses. As
conclusões desse estudo são importantes do ponto de vista da prática
pedagógica, pois revelam que os pequenos já começaram a pensar sobre a escrita
antes mesmo de ingressar na escola e que não dependem da autorização do
professor para iniciar esse processo.
AS QUATRO HIPÓTESES
Aqueles
que não percebem a escrita ainda como uma representação do falado têm a
hipótese pré-silábica. Ela se caracteriza em dois níveis. No primeiro, as
crianças procuram diferenciar o desenho da escrita, identificando o que é
possível ler. Já no segundo nível, elas constroem dois princípios organizadores
básicos que vão acompanhá-las por algum tempo durante o processo de
alfabetização: o de que é preciso uma quantidade mínima de letras para que
alguma coisa esteja escrita (em torno de três) e o de que haja uma variedade
interna de caracteres para que se possa ler. Para escrever, a criança utiliza
letras aleatórias (geralmente presentes em seu próprio nome) e sem uma
quantidade definida. Quando a escrita representa uma relação de correspondência
termo a termo entre a grafia e as partes do falado, a criança se encontra na
hipótese silábica. O aluno começa a atribuir a cada parte do falado (a sílaba
oral) uma grafia, ou seja, uma letra escrita. Essa etapa também pode ser
dividida em dois níveis: no primeiro, chamado silábico sem valor sonoro, ela
representa cada sílaba por uma única letra qualquer, sem relação com os sons
que ela representa. No segundo, o silábico com valor sonoro, há um avanço e
cada sílaba é representada por uma vogal ou consoante que expressa o seu som
correspondente. A hipótese silábico-alfabética corresponde a um período de
transição no qual a criança trabalha simultaneamente com duas hipóteses: a
silábica e a alfabética. Ora ela escreve atribuindo a cada sílaba uma letra,
ora representando as unidades sonoras menores, os fonemas. Quando a escrita
representa cada fonema com uma letra, diz-se que a criança se encontra na
hipótese alfabética. Nesse estágio, os alunos ainda apresentam erros
ortográficos, mas já conseguem entender a lógica do funcionamento do sistema de
escrita alfabético.
DIAGNÓTICO DE SONDAGEM
Diagnosticar
o que os alunos sabem, quais hipóteses têm sobre a língua escrita e qual o
caminho que vão percorrer até compreender o sistema e estar alfabetizados
permite ao professor organizar intervenções adequadas à diversidade de saberes
da turma, portanto, o desafio é propor atividades que não sejam tão fáceis a
ponto de não darem nada a aprender, nem tão difíceis que se torne impossível
para as crianças realizá-las. Pois, todos eles precisam de oportunidades para
pôr em jogo o que sabem para se aproximar pouco a pouco desse objeto importante
da cultura. O professor deve realizar a primeira sondagem no início do período
letivo e, depois, ao fim de cada bimestre, mantendo um registro criterioso do
processo de evolução das hipóteses de escrita das crianças. Ao mesmo tempo, é
fundamental uma observação cotidiana e atenta do percurso dos alunos. A
sondagem é descrita como uma atividade que envolve, num primeiro momento, a
produção espontânea de uma lista de palavras sem apoio de outras fontes e pode
ou não prever a escrita de algumas frases simples. Essa lista deve,
necessariamente, ser lida pelo aluno assim que terminar de escrevê-la, isso
ressalta que é por meio da leitura que o alfabetizador pode observar se o aluno estabelece ou não
relações entre aquilo que ele escreveu e aquilo que ele lê em voz alta, ou seja,
entre a fala e a escrita. E como esse processo é dinâmico e na maioria das
vezes evolui muito rapidamente, pode acontecer de, apenas alguns dias depois da
sondagem, um ou vários alunos terem dado um salto. As sondagens bimestrais são
importantes também por representarem dispositivos de acompanhamento das
aprendizagens para os pais, bem como um retrato da qualidade do ensino para as
redes, que podem ajustar seus programas de formação continuada de professores.
O melhor é que a atividade seja feita
individualmente, com o professor chamando um aluno por vez, que deve tentar
escrever algumas palavras e uma frase ditada. Enquanto isso, o resto da turma
precisa estar envolvido em uma atividade diversificada em que não seja
necessária a ajuda do professor (a cópia de uma cantiga, a produção de um
desenho, um jogo e brincadeiras, etc. O ditado deve ser iniciado por uma
palavra polissílaba, seguida de uma trissílaba, de uma dissílaba e, por último,
de uma monossílaba - sem que o professor, ao ditar, marque a separação das
sílabas (leia no quadro abaixo como preparar a lista de palavras). Após a
lista, é preciso ditar uma frase que envolva pelo menos uma das palavras já
mencionadas, para poder observar se o aluno volta a escrevê-la de forma
semelhante, ou seja, se a escrita da palavra permanece estável mesmo num
contexto diferente. Exemplo de palavras ditadas: ferramenta, martelo, ferro e
pá. E a frase escolhidapode: usei a pá na reforma. Na sondagem, a escolha certa
das palavras e da frase (e da ordem em que elas serão ditadas) é essencial.
"O ideal é preparar uma lista de termos de um mesmo campo semântico, ou
seja, agregados por uma unidade de sentido, e uma frase adequada ao contexto
desse grupo Deve-se evitar que as palavras tenham vogais repetidas em sílabas
próximas, como ABACAXI, por exemplo, por causar um grande conflito para as
crianças que estão entrando no Ensino Fundamental, cuja hipótese de escrita
talvez faça com que creiam ser impossível escrever algo com duas ou mais letras
iguais. Por exemplo: um aluno com hipótese silábica com valor sonoro convencional,
que utiliza vogais, precisaria escrever AAAI. Os monossílabos ficam para o fim
do ditado. Esse cuidado deve ser tomado porque, no caso de as crianças
escreverem segundo a hipótese do número mínimo de letras, poderão se recusar a
escrever se tiverem de começar por ele.
Um comentário:
Gostei muito da tua postagem.
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