Decreto obriga o ensino da Lingua Brasileira de Sinais nos cursos de magistério e fonoaudiologia
O Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que regulamenta a Lei
10.436, dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino da Língua Brasileira de
Sinais como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de
professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e
nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e
privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Esse decreto assegura a
garantia ao atendimento educacional especializado e o acesso das pessoas
surdas à educação em todos os níveis, etapas e modalidades de educação,
desde a educação infantil até à superior. Essa determinação legal
garantiu aos indivíduos surdos o direito de acesso às escolas em turmas
do ensino regular, as chamadas turmas de inclusão, em que compartilham o
mesmo espaço educativo com estudantes ouvintes. Esse fato dá aos
estudantes surdos a possibilidade de se integrarem à comunidade escolar
de modo mais igualitário em relação aos ouvintes e de receberem
assistência educacional semelhante, considerando-se suas especificidades
interacionais.
Como em toda experiência nova, os atores envolvidos na inclusão
escolar das pessoas surdas se veem, no momento, em processo de
adaptação, estando ainda à procura de meios para o aprimoramento de suas
práticas com vistas ao bom êxito esperado, há tanto tempo, por nossa
sociedade. Todo grande projeto que atende a demandas sociais históricas
precisa de constantes investimentos para que possa dar bons resultados.
No caso da inclusão escolar das pessoas surdas, para que esta ganhe cada
vez mais qualidade, é preciso haver mais investimentos na formação
continuada dos docentes que atuam em turmas inclusivas, dos intérpretes
de LIBRAS que já estão nas escolas e dos profissionais que pretendem
fazer parte desse grupo. Consideramos, entretanto, da mais alta
relevância que essas necessárias ações de formação continuada tenham
como base aspectos relacionados ao letramento de pessoas surdas.
O significado mais comum da palavra letramento está relacionado ao
universo das pessoas consideradas cultas, eruditas; aquelas que têm
formação universitária, que desempenham atividades intelectuais,
principalmente ligadas ao ensino e à pesquisa científica. Nem tão
recentemente, o uso dessa palavra, incorporada à terminologia das áreas
da Educação e da Linguística — com o significado de conjunto de práticas
sociais que denota a capacidade de uso de diferentes materiais escritos
— tem estado cada vez mais presente nos discursos de educadores de
todos os níveis de ensino que entendem
que desenvolver as competências de leitura é condição indispensável para um bom aproveitamento em todas as disciplinas. Nessa perspectiva, o letramento pressupõe um trabalho de inserção dos estudantes nas práticas sociais que se concretizam por meio da linguagem. Ou seja, pressupõe que se tomem como objeto de ensino os diversos gêneros textuais (os textos em geral) que circulam na sociedade. Se para os estudantes em geral, a proposta pedagógica do letramento pode propiciar ganhos significativos, para os estudantes surdos, os ganhos podem ser ainda mais significativos.
que desenvolver as competências de leitura é condição indispensável para um bom aproveitamento em todas as disciplinas. Nessa perspectiva, o letramento pressupõe um trabalho de inserção dos estudantes nas práticas sociais que se concretizam por meio da linguagem. Ou seja, pressupõe que se tomem como objeto de ensino os diversos gêneros textuais (os textos em geral) que circulam na sociedade. Se para os estudantes em geral, a proposta pedagógica do letramento pode propiciar ganhos significativos, para os estudantes surdos, os ganhos podem ser ainda mais significativos.
Essa nossa defesa em prol da adoção da proposta do letramento para
ações pedagógicas na educação de surdos se justifica pelos motivos que
passamos a
apresentar. O português para os surdos não oralizados é uma segunda língua; a primeira língua, ou língua materna dessas pessoas, é a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais). A forma de expressão natural dos surdos é, portanto, a vísuo-espacial, que se realiza por meio de sinais (equivalentes às palavras das línguas oral-auditivas, como o português) que são configurados no espaço pela combinação de movimentos de mãos, movimentos
de corpo e expressões faciais e que são apreendidos pelo sentido da visão. A LIBRAS é utilizada pelas comunidades surdas para a comunicação face a face. Como as pessoas surdas vivem em contextos sociais em que a maioria das pessoas são ouvintes, os surdos usuários de LIBRAS precisam aprender o português na sua modalidade escrita, a fim de poderem garantir seus direitos de cidadania.
apresentar. O português para os surdos não oralizados é uma segunda língua; a primeira língua, ou língua materna dessas pessoas, é a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais). A forma de expressão natural dos surdos é, portanto, a vísuo-espacial, que se realiza por meio de sinais (equivalentes às palavras das línguas oral-auditivas, como o português) que são configurados no espaço pela combinação de movimentos de mãos, movimentos
de corpo e expressões faciais e que são apreendidos pelo sentido da visão. A LIBRAS é utilizada pelas comunidades surdas para a comunicação face a face. Como as pessoas surdas vivem em contextos sociais em que a maioria das pessoas são ouvintes, os surdos usuários de LIBRAS precisam aprender o português na sua modalidade escrita, a fim de poderem garantir seus direitos de cidadania.
O uso simultâneo dessas duas línguas de naturezas tão diferentes é o
que cria as especificidades interacionais das pessoas surdas. E isso não
ocorre apenas em relação a questões estruturais dessas línguas. Há que
se considerar, ainda, aspectos culturais ligados às práticas sociais
(que incluem práticas sociais que definem certos usos de uma e de outra
língua). Portanto, como usam como primeira língua a LIBRAS, é natural
que enfrentem dificuldades com o uso do português. Tal como enfrentam
dificuldades indivíduos que têm como primeira língua o inglês, o
francês, o alemão, ou qualquer
outro idioma, e que se colocam na interação com falantes de português, por exemplo.
outro idioma, e que se colocam na interação com falantes de português, por exemplo.
O desenvolvimento das competências de leitura e de escrita depende de
ensino, já que não são competências inatas, mas são construídas nas
relações sociais, em situações de ensino e de aprendizagem e são
culturalmente consolidadas. O estudo profícuo de uma língua, por isso,
precisa considerar os modos de uso dessa língua, em contextos reais de
comunicação. Por isso, investir em práticas de ensino que se limitem ao
estudo de regras de gramática, ou, em outras palavras, investir em
práticas tradicionais de ensino de língua, não é algo produtivo, em
especial, para pessoas surdas. Aos professores de português é
socialmente atribuído o encargo de inserir as crianças e jovens que têm
acesso à educação formal no universo da escrita. Cabe-nos, pois, a
formação de leitores e escritores competentes, fato que tem uma
implicação importante, que extrapola, em muito, o preparo de indivíduos
capazes de decodificar signos linguísticos e de redigir de modo correto.
Essa implicação – de natureza política – envolve o compromisso social
com a formação de cidadãos capazes de interferir, de modo consistente,
em contextos sociais públicos mais formais a que têm acesso, demodo
eficiente, apenas aqueles que conhecem as práticas de letramento,
manifestadas por meio da escrita, que, em nossa sociedade, é pressuposto
para a vivência da cidadania. Muitas das portas dos setores da
administração pública, da universidade e do mercado de trabalho não se
abrem para os indivíduos que não desenvolvem ou que desenvolvem
precariamente as competências de leitura e de escrita.
Entendemos que a implicação mais importante acarretada pelo
investimento na prática pedagógica calcada na concepção de letramento é
viabilização do acesso dos estudantes aos bens culturais produzidos por
meio da escrita. É um modo de possibilitar a democratização do acesso ao
imenso tesouro cultural produzido pelo homem a partir da invenção da
escrita e de possibilitar que esses estudantes possam contribuir como
agentes da ampliação desse acervo cultural. Assumir a concepção de
letramento nas práticas pedagógicas da educação para todos, e em
especial da educação de pessoas surdas, parece-nos, portanto, a forma
mais pertinente de atender às demandas sociais da atualidade, que requer
sujeitos protagonistas, atuantes e autônomos.
Em essência, as práticas pedagógicas de letramento de surdos não se distinguem das práticas pedagógicas dirigidas aos ouvintes.
Em essência, as práticas pedagógicas de letramento de surdos não se distinguem das práticas pedagógicas dirigidas aos ouvintes.
O aspecto básico dessa proposta repousa em possibilitar aos surdos o
acesso aos gêneros textuais que são produzidos e que circulam na
sociedade, nos diferentes domínios discursivos e de viabilizar meios
para que os estudantes surdos possam compreender como se organizam e
funcionam esses gêneros. Como há especificidades interacionais
instauradas pela surdez, ganha relevo, nesse processo, a necessidade de o
educador conhecer a LIBRAS e as peculiaridades do modo de expressão
vísuo-espacial, assim como os aspectos da cultura surda de que se
constituem as práticas interacionais dos surdos, a fim de poderem
desenvolver estratégias didático-metodológicas que viabilizem uma
prática pedagógica satisfatória. Por isso, é imprescindível o apoio
permanente das autoridades para a implementação de processos de formação
continuada de boa qualidade que ajudem a esses profissionais a não se
renderem ao simplismo e à esterilidade das práticas pedagógicas
tradicionais de ensino de língua.
Gláucia Nascimento é doutora em Linguística, professora da UFPE e
líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre LIBRAS (GEPEL/UFPE).
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