Os primeiros três anos de
vida do ser humano compõem um período muito especial de aprendizado. Ainda
"recém-chegada", a criança está cheia de curiosidade e possui um
enorme potencial para assimilar conteúdos bem diversificados. Para a psicóloga
e psicopedagoga do Infans - Unidade de Atendimento ao Bebê Denise Argolo
Estill, de São Paulo, nesse período "o mundo é algo a experimentar e
conhecer por meio dos órgãos, dos sentidos e das ações corporais." Para
isso, a garotada precisa de objetos concretos para agarrar, ouvir, alcançar com
a boca, sentir com a pele. Ou seja: aprender.
Ainda de acordo com
Denise, nessa faixa etária, além de incentivar o uso do corpo para descobrir
texturas, temperaturas, aromas e sabores, é essencial também estimular a
linguagem verbal e a imitação. Tudo isso "entendo a necessidade de
reproduzir gestos e falas e procurando valorizar a expressão individual de cada
um", completa a estudiosa.
Brincadeira
Por que trabalhar:
Embora a brincadeira seja uma atividade livre e espontânea, ela não é natural,
mas uma criação da cultura. O aprendizado dela se dá por meio das interações e
do convívio com os outros. Por isso, a importância de prever muito tempo e espaço
para ela. "Temos a capacidade de desenvolver a imaginação - e é essa
habilidade que o brincar traz", diz Zilma de Oliveira, da Universidade de
São Paulo (USP).
O que propor: Uma das primeiras brincadeiras do bebê é imitar os adultos: ele
observa e reproduz gestos e caretas no mesmo momento em que acontecem. Com
cerca de 2 anos, continua repetindo o que vê e também os gestos que guarda na
memória de situações anteriores, tentando encaixá-los no contexto que acha
adequado. Tão importante quanto valorizar essas imitações é propor ações
físicas que possibilitam sensações e desafios motores. "É pela
experimentação que a criança se depara com as novidades do espaço, sente
cheiros e percebe texturas, tamanhos e formas", explica Ana Paula Yasbek,
coordenadora pedagógica da Escola Espaço da Vila, em São Paulo.
Alguns brinquedos também fazem sucesso nessa fase. Os mais adequados são os de
peças de montar, encaixar, jogar e empilhar, além dos que fazem barulho. É
preciso ter cuidado com a segurança e só usar objetos maiores do que o tamanho
da boca do bebê quando aberta.
Para um trabalho eficiente, uma boa estrutura é essencial. Isso inclui ter
material suficiente para que todos consigam compartilhar e um bom espaço de
criação. "Os ambientes devem ser convidativos e contextualizados com a
história que se quer construir", diz Ana Paula. Uma área ao ar livre,
mesmo que com poucas árvores, vira uma grande floresta. Uma sala bem cuidada,
rica em cores e com variedade de brinquedos e estímulos igualmente possibilita
momentos criativos, prazerosos e produtivos.
Isto dá certo: Em Vitória, capital capixaba, a brincadeira é parte da rotina
diária da CMEI João Pedro de Aguiar. As salas das turmas de 2 anos, por
exemplo, são divididas em cantos. Num deles ficam os brinquedos de madeira para
montar. Noutro, bichos de pelúcia e bonecas. Num terceiro, livros. Tudo em uma
altura que permita a todos pegar o que querem sem ajuda. Diariamente, a classe
passa um bom tempo no pátio, em que uma área é forrada de areia e outra acomoda
brinquedos de plástico, como escorregador e cavalinho de balanço. "Ali, os
pequenos correm e encontram amigos de outras turmas para que tenham a
oportunidade de viver novas situações", diz a coordenadora pedagógica
Wanusa Lopes da Silva Zambon.
Linguagem oral
Por que trabalhar:
Quando o bebê se expressa com gritos ou gestos, ele tem uma intenção.
"Mesmo os que têm pouco vocabulário ou que ainda não falam com
desenvoltura estão participando da atividade comunicativa de forma competente e
correta", diz Maria Virgínia Gastaldi, Editora de Educação Infantil da
Editora Moderna. Para que a linguagem oral se desenvolva, cabe ao professor
reconhecer a intenção comunicativa dos gestos e balbucios dos bebês,
respondendo a eles, e promover a interação no grupo.
O que propor: Desde muito cedo, cantigas de roda, parlendas e outras canções
são meios riquíssimos de propiciar o contato e a brincadeira com as palavras e
de estimular a atenção a sua sonoridade. "O burburinho das conversas entre
os pequenos, falando sozinhos ou com os outros, é riquíssimo. Não se admite
mais a idéia de manter a sala em silêncio, com aparência que está tudo sob
controle", diz Regina Scarpa, da Fundação Victor Civita.
As rodas de conversa, feitas diariamente, são uma oportunidade de praticar a
fala, comentar preferências próprias e trocar informações sobre a família. Nessa
situação, há a interação com os colegas e aprende-se a escutar, discutir regras
e argumentar. Quanto menor for a faixa etária do grupo, mais necessária será a
interferência do educador como propositor e dinamizador dos diálogos.
Isto dá certo: Todos os dias, a turma de 2 anos da EMEB Valderez Avelino de
Souza, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, participa de rodas de
conversa. Nessa fase, acontecem relatos de experiências pessoais no bate-papo,
além da invenção de outros elementos. Foi o que aconteceu no dia em que um dos
pequenos contou que tinha visto um tubarão. "Outro completou dizendo que
aquilo tinha sido na praia e um terceiro falou que nadava como o bicho",
conta a coordenadora pedagógica Pétria Ângela de Jesus Rodrigues Ruy dos Santos.
A professora foi puxando o assunto e encaminhando a conversa. Um garoto, que
até então estava quieto, saiu-se com esta: "Meu pai pescou um tubarão. Ele
era enorme. Professora, quer ir pescar com meu pai?" Sabendo que é muito
comum nessa fase mesclar informações reais com outras tiradas da imaginação,
ela, é claro, aceitou o convite.
Movimento
Por que trabalhar: O
movimento é a linguagem dos pequenos que ainda não falam e continua sendo a
maneira de se expressar daqueles que já se comunicam com palavras. "O
pensamento é simultâneo ao movimento e, por isso, não se pede que eles fiquem
sentados ou quietos por muito tempo. Evitar que se mexam é o mesmo que
impedi-los de pensar", explica Maria Paula Zurawski, assessora de Educação
Infantil da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Portanto, quanto
mais o professor incentivar o movimento, maior será o aprendizado de cada um
sobre si mesmo e o desenvolvimento da capacidade de expressão.
O que propor: O bebê precisa participar de atividades que ampliem o repertório
corporal para que percorra um caminho de gradativo controle dos movimentos até
conseguir se levantar e andar. Aos poucos, ele passa a ter consciência dos
limites do corpo e da conseqüência de seus movimentos. São situações indicadas
para o amadurecimento motor passar por obstáculos como túneis, correr e brincar
no escorregador.
Os espaços da creche devem ser desafiadores e, ao mesmo tempo, seguros. São
ambientes propícios para as atividades desse tipo tanto o pátio como a sala.
Ali, são colocados bancos ou caixas que sirvam de apoio para os que estão
começando a andar e ficam distribuídos brinquedos de equilíbrio. Enquanto a
turma se mexe para lá e para cá, não se perde um lance. Um educador atento sabe
quando um suspiro revela cansaço ou uma careta demonstra algum desagrado.
Isto dá certo: Brincar, dormir, mamar, almoçar e dançar acompanhando o ritmo da
música. A turma de 1 ano da CEI Cidade de Genebra, em São Paulo, não pára
quieta. "Logo que acordam, os bebês tomam mamadeira e saem dos colchonetes
quando querem. Como não há berços, eles têm liberdade para se movimentar",
diz a professora Anali Pereira dos Reis. No solário, com brinquedos de plástico
e espaço para correr, eles escorregam, se balançam na gangorra e andam no
cavalinho. Mesmo tão novinhos, já são craques no sobe-e-desce e no equilíbrio.
Faz pouco tempo que aprenderam a andar, mas já entram nos carrinhos de plástico
e saem dele sem ajuda e se divertem passando por dentro de bambolês, dando
cambalhotas e rolando nos colchões.
Arte
Por que trabalhar: A
música e as artes visuais são dois meios de os pequenos entrarem em contato com
o que ainda não conhecem. Nessa fase, as linguagens se misturam e um mesmo
objeto, como um giz de cera, pode ser usado para desenhar ou batucar.
"Aqueles que têm oportunidade de participar de atividades nessas áreas
certamente desenvolvem mais a capacidade cognitiva", diz Silvana Augusto,
formadora do Instituto Avisa Lá.
O que propor: Quanto mais variadas as experiências apresentadas, maior a
garantia de qualidade no desenvolvimento do grupo. Escutar sons, como os
produzidos por batidas em várias partes do próprio corpo e pela manipulação de
objetos, ouvir canções de roda, parlendas, músicas instrumentais ou as
consideradas "de adulto" faz a diferença nessa fase. Além de ouvir e
repetir um repertório já conhecido, a turma deve ser orientada a improvisar e
criar canções, brincar com a voz, imitar sons de animais e confeccionar
instrumentos. "A música contribui para um desenvolvimento pleno e
harmônico, já que incide diretamente na sensibilidade, na expressão e na
reflexão", afirma Teca Alencar de Brito, co-autora do Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil.
Da mesma maneira, o ideal são atividades de artes visuais diversificadas. Uma
boa prática inclui desenhos - e não o preenchimento de modelos prontos -,
pinturas ou esculturas usando diversos materiais e possibilitar o contato com
novos recursos visuais para ampliar as referências artísticas. As produções da
classe ficam à disposição para que sejam observadas e comentadas e para que
cada um reconheça o que é de sua autoria.
Isto dá certo: No EMI Josefina Cipre Russo, em São Caetano do Sul, na Grande
São Paulo, artes visuais e música fazem parte do cotidiano dos pequenos de três
anos. Eles criam instrumentos com materiais reciclados e acompanham as músicas
dançando e cantando. No dia-a-dia, eles desenham com giz, lápis, guache e
aquarela, fazem esculturas e mexem com massinha e tintas comestíveis. Assim, a
turma sente cheiros e texturas e aprecia cores diferentes. "As tintas são
caseiras e dá para limpá-las facilmente. Colocar na boca ou deixar cair na
roupa não é problema", diz a diretora, Eliane Migliorini.
Identidade e
autonomia
Por que trabalhar: O bebê
nasce em uma situação de total dependência e, pouco a pouco, necessita se
tornar autônomo. "Enquanto adquirem condições para realizar ações, as
crianças começam a saber das conseqüências de suas escolhas", explica Beatriz
Ferraz, coordenadora pedagógica do Centro de Educação e Documentação para Ação
Comunitária, em São Paulo. Autonomia e identidade se desenvolvem
simultaneamente e, mesmo num ambiente coletivo, é preciso dar atenção
individualizada às crianças.
O que propor: As melhores experiências são as pautadas pelo relacionamento com
os outros e pela demonstração de preferências. "Se a criança não tem
opção, como vai decidir?", diz Cisele, do Avisa Lá. É essencial oferecer
possibilidades - na hora da brincadeira ou da merenda, por exemplo - para que
os pequenos sejam incentivados a se conhecer melhor e a optar. Ao servir os
alimentos sem misturá-los, o educador permite a cada um identificar aquilo de
que mais gosta. Oferecer a colher para que todos comam sozinhos também é primordial.
Por meio da observação, uns aprendem com os outros. Mesmo que no começo façam
sujeira e demorem para se alimentar, aos poucos adquirem a destreza do
movimento.
A organização do ambiente em cantos de atividades é outro meio de favorecer o
exercício de escolha, já que cada um define onde brincar, com quem e por quanto
tempo. Para ajudar na construção da identidade, cabe ao educador chamar cada um
pelo nome e ressaltar a observação dos aspectos físicos individuais.
"Colocar grandes espelhos nas salas, ter fotos de cada um junto dos
cabides em que penduram as mochilas, identificar as pastas com o nome e um
desenho, por exemplo, são ótimas maneiras de estimular a atenção para as
próprias características e fazê-los perceber a diferença e semelhança em relação
aos colegas", diz Cisele.
Isto dá certo: Na turma de dois anos da CEI Jacyra Pimentel Gomes, em Sobral, a
248 quilômetros de Fortaleza, cada criança vê o nome escrito, reconhece a
própria foto e aprecia imagens da família nas paredes da sala. A coordenadora
pedagógica Carlinda Maria Lopes Barbosa diz: "Cada um entende que é
diferente do amigo por ser identificado de outra maneira". Para reforçar
esse aprendizado, explica-se que existem objetos que são compartilhados e
outros individuais, como a mochila e as roupas.
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